domingo, 6 de novembro de 2011


AO CABO DAS TORMENTAS

Gastei todas as memórias nessa noite de Setembro. Saltei pelos campos floridos da juventude e pelo brazão da identidade pré-adulta, fabricante de quimeras autocentradas e fogazes. Sempre que passo por memórias de tal tamanho, relembro todas as mulheres que me fascinaram, que a mim se entregaram e se aludiram à evasão. Compulsões tantas que muitas se perderam no vácuo de milhões de sinapses falecidas no tempo. Reencarnarão num outro lugar físico, numa outra luz química, nesse eterno esquecimento radiante e luminoso de memórias vãs. Flutuam auroras boreais mesmo acima de mim. Energias astrais de um magnetismo absorto e resoluto. Conheço estas regressões. São sãs e comedidas. Fluentes e expeditas nas imagens projectadas. Generosas na filosofia que as envolve e sábias na contemplação do que as envolveu e as move no mar morto onde se encontram agrilhoadas num passado mais ou menos distante. Passado que não existe. Presente que não vive. Condicionadas pelos memes de uma cultura, de uma ideia de um todo que subtilmente se dilui no presente. Corrolário de memórias que ciclicamente sofrago ao longo dos anos, ao longo do destino. Esse tempo encarcerado no hábito de permanecer vigilante, constante na contemplação do mundo que nos rodeia, que nos cerca, que nos liberta, que nos prende ou nos solta. A circunstância de mim, a circunvalação constante do meu átomo, a vibração permanente das minhas esferas, do meu vasto vazio interior, do meu todo. O todo eu que me determina e me dá vida e que no misterio sempre culmina suavisando a descida ao retorno de si. São memórias e traços ligados num infinito perpétuo, simples… passado perfeitamente imperfeito. Memórias de um dia, de dois anos de três séculos e muitos outros milénios num só universo, global, ligado por vibrações mágicas, sonantes, revolventes, ressonantes, brilhando em todos os seres, por toda a vida, por todas as vidas, por todas idas e vindas. Admiro as formas fogazes do espírito e as formas inertes da matéria que suavemente se molda com o tempo, um tempo perdido, aparentemente ao alcance da mente, mas que apenas no coração se entende e se vive em pleno. O dia sossega a sombra que nos envolve, o mistério que em nós ressoa e vibra por todo o sentir, por todo o tempo que se acomoda no devir.

Sossego horrores e esperanças por mares calmos. Vislumbro a energia que se solta a cada instante, que se transforma e recria o eterno presente. Constância inconstante que reverba e pulsa na acção de viver, de sonhar… As formas que dinamicamente se revolvem nos mesmos elementos do ser, por entre tecidos e entranhas químicas e enlaces energéticos fluindo no etér dos corpos físicos e eternos. Sucalcos de quimeras e sensações reluzentes, por encostas soalheiras e penetrantes. Cultivo de mil flores por entre amores e desamores que nos cercam uma tácita maneira de ser. Supero o engano e a espera. A vida é serena e bela! A vida é perene e caduca num simultâneo de cores e paradoxos sem fim. Infinitos finitos que se perdem no tempo e no espaço imaginário de mim. Vulgo a experiência da contradição… miríades de opiniões, outras tantas compulsões. Paradoxos vulgares. Desenganos tardios e complacentes com a indulgência de ser e de existir. Sopros flamejantes que refrescam e sustentam a mente de cada um. Pleno de sentir. Estou pleno de sentir! Soltar o vento pelos caminhos a cumprir. Por todos os caminhos, em todas as voltas que faz sentido repartir. Partilhar é a meta a completar. A volta a dar. A madrugada que se avizinha por um novo olhar. Juntos é mais fácil!
Caminhar sozinho no meio da noite escura ao luar, pelo luar. Salvé o Luar. Riscos vãos. Iscos vãos. Riscos e traços repartidos no branco prata luar. Divino o cantar das aves noturnas que ressoa pelo espaço envolvente e que tomba o silêncio da noite numa nova madrugada. Rasgos de fontes abertas em sombra de abetos.
Tantas memórias. Memórias tantas no tempo em que se perdem e revolvem, na memória adormecem e na memória se acordam sonhos e traumas há tempo fendidos, ressargidos e estilhaçados e que na entropia do corpo e da mente se lavam e renovam até ficarem captivas num qualquer espaço tempo mentecapto.

Sobrolho de novo e … Velozmente sigo a passos para o abismo. Corro por entre linhas e espaços num tempo sem fim. Abraço a respiração e a solitude da viagem a sorrir, sem descanso nem memória do sentir. Sofrago os desejos por miragens vãs e coloridas, desejos de mil cores, de mil subidas e descidas. Instabilidades serenas no secretismo da alma e do viver, que vão desabando e desbandando a ética do ser, construindo um paradoxo do sentir, paradoxo risonho de viver. Salto alto por entre as imagens que criei, que crio, que vou encontrando por aí. Iludo-me na presença de outras vontades e teorias, consagradas na interacção banal e típica de passar o tempo acompanhado por gargalhadas, ironias e derrotas disfarçadas de descuido e descabimento de uma pose, uma gralha ou de mais um cabelo branco criado pela entropia cerebral de células físicas e sinapses desconexas e anoréxicas de verdadeiro alimento. Desiludo-me da ilusão que elaborei por elucobrações desmedidas e quiméricas voando pelo ar desaladas de paixão e comedimento. Condimento borrado e forçado pela cegueira de querer alcançar um tal objectivo desmedido e desvinculado do centro de mim. Perco a sensatez de clarificar-me e limpar-me de desejos ocultos e inconscientes que perduram no limbo da separação de mim mesmo, entre o ego e o altruísmo de permanecer só para mim. Aqueço no inconsciente onde permaneço uma temporada sem fim! Retoco a saída e retorno ao Hades por mais um tempo indeterminavelmente incerto e inevitável a fim de voltar a polarizar o mais puro que existe em mim. Retorno eternamente ao eixo que me equilíbra entre polarizações extasiantes e dolorosas de sentimentos imberbes e assexuados de magia viva, como carbono para a vida, numa espiral sem fim. Frutas sasonais, de variados paladares, excepcionais no trincar o momento do prazer de viver mais um segundo, mais um profundo e ascético momento na certeza de viver. O suco fulgorante, mágico e sensitivo flui por corpos de sensações perenes e caducas para se transformar em memórias esquecidas de uma entidade perdida em mais um universo constituído por portais de fractais e segmentos vivos e ressonantes.

Soltam-se espaços e tempos brancos de silêncio e fogueiras de espíritos livres e cavalos soltos numa planície de vermelho sobreada pelo crepúsculo a Oeste. Caem as amarras de um sonho mau! Desmbarca o veleiro para o amor e o mar da tranquilidade…

É magnético e sublime a atracção para mim de ti. O momento de há instantes perdi, como todos os outros que anteriomente transformei num outro presente em que estou e ao qual não mais voltarei. Colho pérolas por cada instante. Deleito-me no mel que a química me apresenta em todos esses instantes.
Nao me lembro! Como foi? Já não é?
Doce o sono que me leva e eleva telepaticamente até ti!
E depois adormeci.


II
Rosto preso no horizonte incerto e desperto de uma manhã chuvosa e abençoada. Reviravolta na sorte da vida desmesurada. Simples e fiéis são os ciclos por que passamos nas estações da vida contínua, mutável, eterna… Chuva de prata e saudade pela sua húmida ternura que no tempo se molda e molda tudo o que toca e onde se aloja. Poldra que nasce na base da sua árvore mãe, permitindo o eterno e assinalando a caducidade de tudo. Ouço a chuva enrolada no vento de mudança a bater nas janelas da casa de campo, onde o som tem mais oitavas e o ouvido se purifica do sonambolismo da cidade adormecida, onde todos vestem pijamas e vivem sonhos e pesadelos humanos numa poluição atordoante, funesta e desconcertante. A cidade onde o desmazelo é lei e a indiferença rivaliza com a balbúrdia.
Sinto um navegar de dentro para o horizonte, a sul, numa toada despertante.
A chuva cai mansinho e hamoniosamente, sem perturbar… relega-nos para dentro, na cama estendidos em mais um serão. Adoro a chuva e o vento que anuncia a mudança necessária na condição esférica que nos é inerente. Perfeição animada da ilusão do tempo e dos sentidos. Mudança estática de avanços e retornos, humidades e desertos, percepções e sentimentos. Colecta de mudanças em folhas novas e mortas, transmutáveis e sem sentido. Paradoxo pervertido num jogo de dados jogado, por leis avesas e aversas, dignas e infalíveis, pela física cósmica, condensada e fértil que por todo o lado ressoa, num crescendo orquestral de maneio magnânimo e universal.
Passo descabido por entre ruas e travessas afoitas, pracetas de alegria e becos de descontentamento, desaguando sempre nas grandes avenidas …

Trabalhava apenas para viver alguns dos costumes da terra, do país.


III
O acordar de um sonho mau. Um regresso obrigatório ao passado condicionado pela mente presa a si mesmo. Soltei a corda, larguei, deixei ir… deixa ir, sonegando essa mente condicionada, libertando o passado, as formas do passado, após visualizar, viver e sentir o que de facto me faz falta e onde está a necessidade estruturante.
Recolho sombras que se vão alongando pelo chão sem fim ao olhar cabisbaixo. Recolho traços indigentes e saltitantes pela falta de abraços reconfortantes. Saudades de mim! Sentimentos afins. Éguas soltas e labrintos de saudade e verdade que se prostam em mim. Força mítica de um tal minotauro que guarda o labirinto invencível, infindável e insondável mesmo aqui, dentro de mim. Sem fim de mim. Não tenho fim! Tenho apenas um princípio dentro de mim. Ajoelho-me por vezes no que resta de mim, apelando ao fim do fim.
Corro desagregado no tempo carregado por um espesso nevoeiro salteado de humidade e com odor a jasmim, por todo o lado, por todo o princípio e fim. Ao fim ao cabo, no cabo me atormento, à chuva e ao vento que me empedrece e envelhece desta forma afoita, assim, tão dentro de mim!

A cerca cerca-me as voltas e as sombras acercam-se de mim. Grande a sombra que visualizei de mim e que reconcilio agora mesmo à beira do fim!


2011