sábado, 16 de dezembro de 2017


INVERNO, RENASCER DAS TREVAS

Chegamos ao Solstício de Capricórnio no próximo dia 21 de Dezembro, efeméride que marca o início do Inverno e que sinaliza o dia mais curto e a noite mais longa do ano no hemisfério Norte. É o dia mais escuro do ciclo anual. No entanto, é tempo de um renovado começo: o renascimento da luz solar que voltará a vencer novamente a sombra. Vivenciamos, uma vez mais, nós, humanos argonautas desta nave planetária que é a Terra, um dos dois extremos da dança cósmica entre a luz e a sombra, extremos entre os quais, forçosa e inevitavelmente, balanceamos como um pêndulo no espaço-tempo, num eterno fluxo e refluxo, onde uma parte compensa na perfeição a outra, onde não há escolhas pessoais nem livre arbítrios, apenas aceitação total, de preferência, em compreensão e união amorosa, pelo que cada Ser deverá aceitar de forma semelhante tanto um radiante e caloroso Verão como um rigoroso e gélido Inverno, ou seja, em Amor. No Solstício de Inverno, a paragem aparente do Sol (sol sistere) parece prolongar-se por três dias na constelação do Cruzeiro do Sul (crux[1]), antes de reiniciar a sua jornada para norte em direção ao equador. Trata-se do renascimento da Luz ou, por outras palavras, do Cristo em nós. Daí a liturgia católica colocar a natividade de Cristo no dia 25 de Dezembro, cerca de três dias após o Solstício de Inverno, após o Sol ter estado “crucificado” na Cruz, de onde surge uma nova esperança, a esperança da luz renascer e vencer de novo as trevas na eterna espiral evolutiva, onde nos é dada mais uma oportunidade de expansão da consciência. Será esta a maior crença deixada pelo Fogo Interior de Sagitário, a de que a Centelha Divina está bem no fundo do nosso interior e que, mesmo em tempos de maior escuridão, ela poderá renascer a qualquer momento e expandir-se no eterno espaço-tempo. É esse o cálice sagrado, o Nós em toda a parte e o todo dentro de Nós.

Após esse acreditar no Fogo Interior, surge a ambição Capricorniana de conseguir ultrapassar todas as dificuldades do rigoroso Inverno que se inicia e que importa ultrapassar a fim de concluir a viagem. É uma etapa exigente e rigorosa, pois há que subir as escarpas da íngreme montanha até ao seu topo, lugar de onde se avistam ainda mais montanhas, mas também de onde se avista todo o vasto universo para lá de todas as nossas crenças pessoais que nos trouxeram aqui, vastíssimo universo no qual habitamos, tão longe e tão perto e que apenas e simplesmente nos levará, uma vez mais, ao eterno retorno primaveril. É assim um tempo de interiorização, mas também de sabedoria, resultado da velhice do tempo já percorrido e dos seus frutos já sazonados, tempo de sínteses e preparação da semente para os ciclos seguintes. Nesta última etapa do caminho zodiacal, toda a Natureza hiberna e um clima de austeridade espalha-se por todo o lado. A seriedade e a noção de limites são essenciais para enfrentar estes tempos difíceis.
Apesar da efeméride solsticial ter potenciado um novo crescimento da luz exterior, este tempo de Capricórnio é, supostamente, o período do ano mais difícil de suportar, o mais frio e rigoroso, onde, hibernada, toda a natureza parece cumprir o seu trabalho em segredo, de forma distante, reservada e silenciosa, imagem bem representativa do carácter mais frio e reservado destes nativos. Tudo se opera no tempo interior da dura cápsula da semente, síntese da abundância anterior e potencial da abundância seguinte. No rigor deste Inverno sombrio, há que ser prático, responsável, prudente e rigoroso na gestão dos escassos recursos existentes, pois ainda faltam três meses antes do acordar do novo ciclo. Embora vivendo atualmente em tempos diferentes, nesta altura do ano os nossos memes carregam todas estas memórias ancestrais, de muitos e muitos ciclos anteriores. Este é o momento de tomarmos consciência e noção de nossos limites, responsabilidades e deveres. Tal como os animais procuram proteção dos elementos da natureza, o Homem, instintivamente, constrói um muro de proteção em redor dos seus sentimentos de vulnerabilidade para com o ambiente invernoso. Como signo de Terra Cardinal, a aptidão Capricorniana vira-se para dar impulso a atividades práticas, concretas e duradouras no tempo. Caso se atreva, Capricórnio realizará, pragmaticamente, muitos dos sonhos, crenças e utopias sagitarianas, assumindo serenamente as suas responsabilidades pessoais, e mais ainda, as sociais, onde a sua procura de segurança é alcançada e preenchida.

À medida que a ilusão do tempo avança para Aquário, as regiões temperadas do hemisfério boreal atravessam pelo período de frio mais sólido e consistente, mas não o mais triste, pois a luz cresce a cada dia que passa e vai semeando um novo alento via ao ciclo seguinte. Nos dias mais bonitos e luminosos deste crescente de luz solar, procura-se a diversão fora de casa como uma forma de ocupação coletiva para vencer o frio, onde a solidariedade e fraternidade se espalha pelos poucos, mas bonitos, únicos e singulares dias deste período. Apesar do frio, esses soalheiros dias, agora maiores, darão início aos primeiros degelos do Inverno, trazendo cristalinas e renovadas águas a todas as fontes e ribeiros que descem das serras mais altas e repõem caudais por todo o lado. Assim é a energia de Aquário, signo representado por um homem sábio e de madura idade que transporta uma ânfora e deita o seu conteúdo líquido sobre o solo, espalhando conhecimento além-fronteiras e beneficiando todos os seus irmãos de jornada, todos indiscriminadamente, quer acolham ou não acolham essas águas psíquicas e diluvianas do conhecimento universal[2], ou seja, espalhando o Néctar dos Deuses. Com a Natureza hibernada e muito pouco para fazer lá fora, é tempo para pensar e refletir sobre todas as aprendizagens do ciclo que termina, reinventando e inovando processos para sua aplicação a ciclos futuros. Apesar da energia mental eletrizante e da frescura de ideias fértil a esses futuros ciclos, a frieza ainda abunda, manifestando-se rápida e intuitivamente, mas pouco calorosa e afetuosa, fraterna, mas indiferente e pouco emocional. Neste seu gosto em espalhar conhecimento, explicar a origem e o fim das coisas, o frio Ar Aquariano encontra o elixir da eterna juventude, pois aqueles que sabem muitas coisas não contam os anos que sobre si passam, interessando-se por uma ciência eterna e ganhando o hábito de pensar ao nível da humanidade, tal qual Ser vivo que não envelhece e que se encontra em eterno progresso.
Aproxima-se o fim do Inverno boreal e o final desta jornada cíclica finda com um Sol navegando por Peixes, dispersando a energia invernosa à medida que a luz do dia aumenta. A Natureza parece estar no limbo ao sair da hibernação e aprontar-se para uma nova atividade. É um tempo bastante mutável, ora são dias de inverno ora de primavera. Por um lado, os padrões do ciclo antigo já não encaixam, por outro, fica ainda difícil de definir quais serão os padrões emergentes. Há que se deixar inspirar pela imaginação e sonhar o novo ciclo que se abre, profetizar e ter fé num próximo ciclo de abundância e prosperidade. O degelo amplia-se com os raios de luz e calor cada vez mais fortes, fundindo as neves abundantemente em ribeiros, riachos, vales, rios e lagos, por todo o universo, fertilizando a terra e as sementes enterradas e prontas para morrer. Há que morrer para germinar, numa forte alusão à necessária morte e ressurreição do grão de trigo![3] Esta é a abundante Água de Peixes que se dispersa por toda a parte em direção ao grande oceano, às grandes águas, termo e origem de todos os ciclos... Assim o é também Peixes um signo de pré-criação, de vida uterina prévia ao recomeço, onde a morte é um nascimento e um nascimento um falecimento, um falecimento via à ressurreição por mais uma passagem pelo rio subterrâneo do esquecimento. Enquanto a memória de Caranguejo é clara, viva e memorável, a memória de Peixes é insondável, misteriosa, perdida na memória de universos dentro de universos. Na vibração de Peixes tudo é possível. É simbólico da união que confunde o céu e a terra, o criado e o não criado, o invisível e o visível, representando a dualidade de sentidos, de forças opostas de onde nasce toda a criação. Águas mutáveis com a tarefa de englobar e integrar todas as realizações e pontas soltas dos signos anteriores. Oposto ao signo da Virgem, é a compreensão dos conjuntos, das generalidades e negligência dos pormenores, o sentido do infinito, do ilimitado, do inumerável, do que não pode ser classificado, posto em listas ou catalogado. É aquilo que é inexprimível, imensurável, inexplicável. É a exclamação final do poeta, “Ah, não ser eu toda a gente e toda a parte![4] da sua Ode Triunfal. Para o nativo de Peixes não há outra nacionalidade que a de cidadão do mundo à espera de o ser do Universo.

Neste fim de ciclo, a compreensão do divino que nos religa, agora e sempre, aos ciclos da natureza, fica completa. Compreendemos e acreditamos (consciência da fé) na comunhão dos homens para com a totalidade da criação, ou seja, que Somos Todos Um. É esta a síntese de todo o processo Zodiacal! Perdoamos e esquecemos, relaxamos e sabemos que tudo aquilo que termina também recomeça, mas com a possibilidade de um renascer mais criativo e evoluído pela experiência assimilada e o amor incondicional a todo o processo.

Em Capricórnio geramos a ambição e o impulso para criar estruturas práticas, concretas e duradouras num tempo que sirva o coletivo, em Aquário espalhamos o Néctar dos Deuses por todos os irmãos de forma intuitiva e indiscriminada e em Peixes reconhecemos a Alma Universal[5] que verdadeiramente somos, onde Todos Somos Um, num encontro interno com essa alma gentil e gentia que une todos os opostos e contradições, culturas e religiões e que nos leva ao conhecimento e à prática espiritual sem mácula, onde cada um de nós se dilui no universo inteiro, ou como escrito nas belíssimas palavras do grande poeta,
“Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.”
Passagem das Horas, Álvaro de Campos


Pela União das Almas, na Luz da Consciência[6]

14 de Dezembro de 2017





[1] Constelação localizada no céu meridional e uma das mais fáceis de reconhecer apesar de ser a menor das 88 constelações modernas. Seu nome significa Cruz em latim e é comumente conhecida como Cruzeiro do Sul. Muito conhecida na antiguidade e em particular pelos navegantes.
[2] Águas aéreas, perceptíveis à alma e não ao corpo.
[3] “Em verdade, em verdade vos digo; se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só, mas se morrer, produz muito fruto”, João 12:24
[4] Frase final da Ode Triunfal de Álvaro de Campos.
[5] Ou Superalma Universal: todas as almas individuais unidas numa mesma alma.
[6] Citação de Maria Flávia de Monsaraz.