AO CABO DAS TORMENTAS
Gastei todas as memórias nessa noite de
Setembro. Saltei pelos campos floridos da juventude e pelo brazão da identidade
pré-adulta, fabricante de quimeras autocentradas e fogazes. Sempre que passo
por memórias de tal tamanho, relembro todas as mulheres que me fascinaram, que
a mim se entregaram e se aludiram à evasão. Compulsões tantas que muitas se
perderam no vácuo de milhões de sinapses falecidas no tempo. Reencarnarão num
outro lugar físico, numa outra luz química, nesse eterno esquecimento radiante
e luminoso de memórias vãs. Flutuam auroras boreais mesmo acima de mim.
Energias astrais de um magnetismo absorto e resoluto. Conheço estas regressões.
São sãs e comedidas. Fluentes e expeditas nas imagens projectadas. Generosas na
filosofia que as envolve e sábias na contemplação do que as envolveu e as move
no mar morto onde se encontram agrilhoadas num passado mais ou menos distante.
Passado que não existe. Presente que não vive. Condicionadas pelos memes de uma
cultura, de uma ideia de um todo que subtilmente se dilui no presente.
Corrolário de memórias que ciclicamente sofrago ao longo dos anos, ao longo do
destino. Esse tempo encarcerado no hábito de permanecer vigilante, constante na
contemplação do mundo que nos rodeia, que nos cerca, que nos liberta, que nos
prende ou nos solta. A circunstância de mim, a circunvalação constante do meu
átomo, a vibração permanente das minhas esferas, do meu vasto vazio interior,
do meu todo. O todo eu que me determina e me dá vida e que no misterio sempre
culmina suavisando a descida ao retorno de si. São memórias e traços ligados
num infinito perpétuo, simples… passado perfeitamente imperfeito. Memórias de
um dia, de dois anos de três séculos e muitos outros milénios num só universo,
global, ligado por vibrações mágicas, sonantes, revolventes, ressonantes,
brilhando em todos os seres, por toda a vida, por todas as vidas, por todas
idas e vindas. Admiro as formas fogazes do espírito e as formas inertes da
matéria que suavemente se molda com o tempo, um tempo perdido, aparentemente ao
alcance da mente, mas que apenas no coração se entende e se vive em pleno. O
dia sossega a sombra que nos envolve, o mistério que em nós ressoa e vibra por
todo o sentir, por todo o tempo que se acomoda no devir.
Sossego horrores e esperanças por mares calmos.
Vislumbro a energia que se solta a cada instante, que se transforma e recria o
eterno presente. Constância inconstante que reverba e pulsa na acção de viver,
de sonhar… As formas que dinamicamente se revolvem nos mesmos elementos do ser,
por entre tecidos e entranhas químicas e enlaces energéticos fluindo no etér
dos corpos físicos e eternos. Sucalcos de quimeras e sensações reluzentes, por
encostas soalheiras e penetrantes. Cultivo de mil flores por entre amores e
desamores que nos cercam uma tácita maneira de ser. Supero o engano e a espera.
A vida é serena e bela! A vida é perene e caduca num simultâneo de cores e
paradoxos sem fim. Infinitos finitos que se perdem no tempo e no espaço
imaginário de mim. Vulgo a experiência da contradição… miríades de opiniões,
outras tantas compulsões. Paradoxos vulgares. Desenganos tardios e complacentes
com a indulgência de ser e de existir. Sopros flamejantes que refrescam e
sustentam a mente de cada um. Pleno de sentir. Estou pleno de sentir! Soltar o
vento pelos caminhos a cumprir. Por todos os caminhos, em todas as voltas que
faz sentido repartir. Partilhar é a meta a completar. A volta a dar. A
madrugada que se avizinha por um novo olhar. Juntos é mais fácil!
Caminhar sozinho no meio da noite escura ao
luar, pelo luar. Salvé o Luar. Riscos vãos. Iscos vãos. Riscos e traços
repartidos no branco prata luar. Divino o cantar das aves noturnas que ressoa
pelo espaço envolvente e que tomba o silêncio da noite numa nova madrugada. Rasgos
de fontes abertas em sombra de abetos.
Tantas memórias. Memórias tantas no tempo em
que se perdem e revolvem, na memória adormecem e na memória se acordam sonhos e
traumas há tempo fendidos, ressargidos e estilhaçados e que na entropia do
corpo e da mente se lavam e renovam até ficarem captivas num qualquer espaço
tempo mentecapto.
Sobrolho de novo e … Velozmente sigo a
passos para o abismo. Corro por entre linhas e espaços num tempo sem fim.
Abraço a respiração e a solitude da viagem a sorrir, sem descanso nem memória
do sentir. Sofrago os desejos por miragens vãs e coloridas, desejos de mil
cores, de mil subidas e descidas. Instabilidades serenas no secretismo da alma
e do viver, que vão desabando e desbandando a ética do ser, construindo um
paradoxo do sentir, paradoxo risonho de viver. Salto alto por entre as imagens
que criei, que crio, que vou encontrando por aí. Iludo-me na presença de outras
vontades e teorias, consagradas na interacção banal e típica de passar o tempo
acompanhado por gargalhadas, ironias e derrotas disfarçadas de descuido e
descabimento de uma pose, uma gralha ou de mais um cabelo branco criado pela
entropia cerebral de células físicas e sinapses desconexas e anoréxicas de verdadeiro
alimento. Desiludo-me da ilusão que elaborei por elucobrações desmedidas e
quiméricas voando pelo ar desaladas de paixão e comedimento. Condimento borrado
e forçado pela cegueira de querer alcançar um tal objectivo desmedido e
desvinculado do centro de mim. Perco a sensatez de clarificar-me e limpar-me de
desejos ocultos e inconscientes que perduram no limbo da separação de mim
mesmo, entre o ego e o altruísmo de permanecer só para mim. Aqueço no
inconsciente onde permaneço uma temporada sem fim! Retoco a saída e retorno ao
Hades por mais um tempo indeterminavelmente incerto e inevitável a fim de voltar
a polarizar o mais puro que existe em mim. Retorno eternamente ao eixo que me
equilíbra entre polarizações extasiantes e dolorosas de sentimentos imberbes e
assexuados de magia viva, como carbono para a vida, numa espiral sem fim. Frutas
sasonais, de variados paladares, excepcionais no trincar o momento do prazer de
viver mais um segundo, mais um profundo e ascético momento na certeza de viver.
O suco fulgorante, mágico e sensitivo flui por corpos de sensações perenes e
caducas para se transformar em memórias esquecidas de uma entidade perdida em
mais um universo constituído por portais de fractais e segmentos vivos e
ressonantes.
Soltam-se espaços e tempos brancos de
silêncio e fogueiras de espíritos livres e cavalos soltos numa planície de
vermelho sobreada pelo crepúsculo a Oeste. Caem as amarras de um sonho mau!
Desmbarca o veleiro para o amor e o mar da tranquilidade…
É magnético e sublime a atracção para mim
de ti. O momento de há instantes perdi, como todos os outros que anteriomente
transformei num outro presente em que estou e ao qual não mais voltarei. Colho
pérolas por cada instante. Deleito-me no mel que a química me apresenta em
todos esses instantes.
Nao me lembro! Como foi? Já não é?
Doce o sono que me leva
e eleva telepaticamente até ti!
E depois adormeci.
II
Rosto preso no horizonte incerto e desperto
de uma manhã chuvosa e abençoada. Reviravolta na sorte da vida desmesurada.
Simples e fiéis são os ciclos por que passamos nas estações da vida contínua, mutável,
eterna… Chuva de prata e saudade pela sua húmida ternura que no tempo se molda
e molda tudo o que toca e onde se aloja. Poldra que
nasce na base da sua árvore mãe, permitindo o eterno e assinalando a caducidade
de tudo. Ouço a chuva enrolada no vento de mudança a bater nas janelas da casa
de campo, onde o som tem mais oitavas e o ouvido se purifica do sonambolismo da
cidade adormecida, onde todos vestem pijamas e vivem sonhos e pesadelos humanos
numa poluição atordoante, funesta e desconcertante. A cidade onde o desmazelo é
lei e a indiferença rivaliza com a balbúrdia.
Sinto um navegar de dentro para o horizonte,
a sul, numa toada despertante.
A chuva cai mansinho e hamoniosamente, sem
perturbar… relega-nos para dentro, na cama estendidos em mais um serão. Adoro a
chuva e o vento que anuncia a mudança necessária na condição esférica que nos é
inerente. Perfeição animada da ilusão do tempo e dos sentidos. Mudança estática
de avanços e retornos, humidades e desertos, percepções e sentimentos. Colecta
de mudanças em folhas novas e mortas, transmutáveis e sem sentido. Paradoxo
pervertido num jogo de dados jogado, por leis avesas e aversas, dignas e
infalíveis, pela física cósmica, condensada e fértil que por todo o lado
ressoa, num crescendo orquestral de maneio magnânimo e universal.
Passo descabido por entre ruas e travessas
afoitas, pracetas de alegria e becos de descontentamento, desaguando sempre nas
grandes avenidas …
Trabalhava apenas para viver alguns dos
costumes da terra, do país.
III
O
acordar de um sonho mau. Um regresso obrigatório ao passado condicionado pela
mente presa a si mesmo. Soltei a corda, larguei, deixei ir… deixa ir, sonegando
essa mente condicionada, libertando o passado, as formas do passado, após
visualizar, viver e sentir o que de facto me faz falta e onde está a
necessidade estruturante.
Recolho sombras que se vão alongando pelo
chão sem fim ao olhar cabisbaixo. Recolho traços indigentes e saltitantes pela
falta de abraços reconfortantes. Saudades de mim! Sentimentos afins. Éguas
soltas e labrintos de saudade e verdade que se prostam em mim. Força mítica de
um tal minotauro que guarda o labirinto invencível, infindável e insondável
mesmo aqui, dentro de mim. Sem fim de mim. Não tenho fim! Tenho apenas um
princípio dentro de mim. Ajoelho-me por vezes no que resta de mim, apelando ao
fim do fim.
Corro desagregado no tempo carregado por um
espesso nevoeiro salteado de humidade e com odor a jasmim, por todo o lado, por
todo o princípio e fim. Ao fim ao cabo, no cabo me atormento, à chuva e ao
vento que me empedrece e envelhece desta forma afoita, assim, tão dentro de
mim!
A cerca cerca-me as voltas e as sombras
acercam-se de mim. Grande a sombra que visualizei de mim e que reconcilio agora
mesmo à beira do fim!
2011
Gostosamente e com deleite químico acompanho “Têmpora Lusa”
ResponderEliminarPARABÉNS…autor de tão poética prosa!
“Do cabo das tormentas”…. escrita revivida, dolorosa, sofrida…
Forte… rebuscada …divinal…profunda…sentida….
Descrição de momentos de uma vida….em constante tempestade “sagitariana”!
Aquilo que na verdade todos temos em comum é sermos únicos e irrepetíveis no mundo!
Mas…como a vida tem significado, e a vida é feita de significados…
Como a emoção é a base do espírito, e o emocionar-se é não demitir o sentir…
Como sentir é sonhar, e sonhar é viver…
Como viver é aprender, e aprender é evoluir….
Finalizo citando Ernst Pöppel –“A memória episódica fortalece a identidade e tem efeito purificador”
Semente de Tamarindo
Congratulo-me com as tuas palavras... sim, momentos de memória episódica purificadora e revitalizante.
ResponderEliminarCatarse do destino como o melhor fado português...